sábado, 9 de junho de 2007

Forma fechada e forma aberta

WÖLFFLIN, Heinrich. “Forma aberta e forma fechada (tectônica e atectônica)”. In: Conceitos Fundamentais de História da Arte (trad. João Azenha Junior). São Paulo: Martins Fontes (1996): pp. 167,210.

Índice: 1. Pintura: 1.1. Considerações gerais; 1.2. Os motivos principais; 1.3. Considerações sobre os temas; 1.4. O histórico e o nacional; 2. Escultura; 3. Arquitetura.

Conteúdo: Pintura: considerações gerais. Comparando mais uma vez dois casos bastante distintos (aqui, Rafael e Ruysdael), o autor começa por afirmar que em toda obra de arte manifesta-se uma qualidade de estruturação que lhe é própria e definidora de seu status. Reconhecido este fato, entretanto, devemos reconhecer também que os princípios pelos quais esta qualidade se exprimem são variáveis, seja no Cinquecento, seja na arte holandesa do século XVII. O autor reserva para esta distinção o par opositivo tectônico/atectônico, para estabelecer que o estilo clássico se define pela expressão de uma estrutura fechada, ao passo que a arte do Barroco manifesta um estilo de estrutura mais livre ou aberta. Define-se, assim, a forma fechada como um tipo de representação manifesta pela indicação mais ou menos clara dos recursos tectônicos como indicadores da estrutura da composição, e que resulta num sentido de composição em que a realidade da forma se encerra em si mesma, por oposição a um tratamento aberto da forma, na qual os limites do plano não parecem definir a realidade da composição, já que os elementos de sua estruturação não são eminentemente indícios tectônicos. O que caracteriza, de maneira geral, o estilo da forma fechada (e que torna assimiláveis, do ponto de vista histórico, as realizações sublimes de uma arte fortemente tectônica, como a de Rafael, e a arte da Europa setentrional do mesmo período, com Dürer) é a da função atribuída na imagem aos eixos vertical e horizontal, não apenas como indicadores de direção, mas como elemento de estruturação, fortemente indexado pela linha ou pelos motivos do quadro.No século XVI, os componentes de um quadro ordenam-se em torno de um eixo central ou, quando isso não ocorre, de sorte a manterem um equilíbrio perfeito entre as duas metades do quadro. Esse equilíbrio, nem sempre de fácil definição, pode ser claramente percebido quando contrastado com a organização mais livre do século XVII (pp. 167,168,169). Os motivos principais: o autor estabelece uma série de noções diretrizes da distinção entre uma forma aberta e uma forma fechada; o primeiro destes elementos é o da predominância de uma composição definida nos limites do encontro entre eixos horizontais e verticais do plano, ao passo que, na arte subseqüente, dissimula-se o papel exercido por estes elementos tectônicos, privilegiando-se tudo aquilo que sirva para atenuar o papel fortemente constringente desta estrutura tectônica. Uma resultante dessa predominância no estilo clássico é a predileção de um modo de composição mais francamente frontal dos motivos pictóricos, já que este favorece a explicitação de uma composição estruturada no encontro dos dois eixos; este aspecto do estilo clássico se repercute no modo como encontramos o tratamento das formas e contornos (o exemplo do autor é o das auréolas de Cristo, em Grünewald e Rembrandt) e o dos princípios para a harmonização das cores, dependente da função do traço, no clássico e mais variável na relação mais próxima à ordem dos contraste luminosos, no Barroco (pp. 170,171). Um segundo aspecto que se define com motivo característico da distinção entre as formas clássica e barroca é o da predileção (ou não) pela simetria na composição dos elementos, no interior do plano visual do quadro: o estilo da arte de Rafael se propõe a partir da idéia de um equilíbrio nítido entre as porções do quadro, ao passo que a arte do século XVII torna instável esta distribuição de elementos no plano. Do ponto de vista temático, pode-se estabelecer igualmente uma distinção entre a simetria e a assimetria, quando consideramos as relações entre o estilo simétrico e os tema monumentais ou solenes, ao passo que os assuntos mais profanos ou domésticos favorecem um estilo assimétrico. A oscilação entre um estilo levemente simétrico e outro, mais assimétrico, na arte do século XVII, são exemplificadas pelo tríptico do Altar de São Idelfonso, de Rubens, e a Ceia de Emaús, de Rembrandt: no primeiro, apenas o recurso do escorço favorece a intrusão de uma certa instabilidade na distribuição das figuras pelo plano, ao passo que em Rembrandt, a composição é integralmente característica do estilo assimétrico do Barroco. A disposição dos elementos em simetria, e a caracterização dos elementos mais importantes do quadro com resultante de sua disposição no plano visual são uma conquista da arte clássica, quando comparamos o tratamento de temas como o da última ceia, em Bouts e em Leonardo, por exemplo: esse aspecto de harmonia, tão próprio ao Cinquecento florentino é a conseqüência de uma arte que valoriza as forças tectônicas da composição, e é capaz de fornecer indícios plásticos de sua vigência, no interior do quadro (pp. 171,172,173,174,175). Um terceiro aspecto importante da distinção entre os estilos tectônico e atectônico é aquele que respeita as relações entre o espaço existente e o conteúdo ou os motivos visuais: na arte clássica, há uma evidente subordinação dos temas aos limites do plano visual nos quais ele se encontra representado, de tal modo que a forma da representação possa estar contida no interior deste limite geométrico, ou ainda, fortemente indexadas em sua função tectônica pelos elementos plásticos constituintes do tema (arquitetônicos, humanos ou naturais). No caso da arte barroca, não se verifica esta redução do motivo á forma do plano, de tal modo que a percepção do espaço representado pode, muitas vezes, exceder os limites do quadro, como acontece sobretudo na arte do paisagismo holandês de Hobbema e Ruysdael. Nesse sentido, os motivos que serviam à arte clássica para vincular os conteúdos do quadro aos limites do plano se tornam independentes dessa função, na arte do século XVII, não mais possuindo qualquer relação com a produção da simetria ou com a fixação dos motivos no eixo das linhas verticais e horizontais. Também ao Barroco não foi possível resistir à necessidade natural de uma visibilidade completa: contudo, os artistas deste período procuraram evitar que os limites do quadro coincidissem abertamente com os de seu conteúdo material. É necessário fazer uma distinção: a arte clássica evidentemente também não conseguiu evitar que a borda do quadro recortasse a imagem. Apesar disto, a imagem mostra-se em sua plenitude, exatamente porque é capaz de veicular ao observador todo o essencial, uma vez que os recortes atingem apenas os objetos de importância secundária (176,177,178). A correlação entre os motivos visuais e os elementos arquitetônicos da imagem é um aspecto que caracteriza a maneira como a obra de arte clássica dispõe os motivos representacionais no interior do plano (isto é, nos limites do quadro e no ponto de interseção das horizontais e verticais: exemplos cristalinos deste recurso se encontram e Leonardo e Rafael, e em nenhum sentido similar, a arte do Barroco valoriza o destaque dos motivos como decorrência de sua relação com elementos arquitetônicos ou mesmo naturais (aqui ocorrendo a título de substitutos plásticos dos marcos tectônicos, ou fortemente estruturais, da composição). Finalmente, o autor destaca um útimo aspecto ou noção definidora das diferenças entre a forma fechada e a forma aberta, e que se definem pela impressão global, própria ao estilo clássico, de uma forma de arte vinculada a normas, ao passo que a arte do Barroco nos lega esta impressão de uma forma gestada na relativa liberdade com a qual as formas se deixam assimilar no espaço da representação: neste ponto o autor fala da oposição entre regra e liberdade como um traço da oposição entre o tectônico e o atectônico. Quando retomamos a questão da função atribuída à linha, em Dürer e Rembrandt (tema do primeiro capítulo da obra), não poderemos tratar essa diferença apenas no plano da função da forma, nos dois períodos, mas igualmente na correlação com esse “ sentimento da estrutura” , e os modos como as diferentes épocas sentem esse princípio da organização do quadro; nesse sentido, a questão da oposição entre o linear e o pictórico representam (ou prenunciam) o problema do caráter com o qual as obras desses estilos apresentam-se em correlação com uma certa idéia de estrutura (mais fechada, em Dürer, mais livre, em Rembrandt). A instituição de um movimento oscilatório nas formas é igualmente o resultado deste modo de sentir-se as formas na sua relação com as regras ou com a liberdade, e isto igualmente caracteriza a distância entre a arte do período clássico e do Barroco. O autor estabelece uma correlação entre a forma fechada e a predileção pelas estruturas arquitetônicas: na arte do século XVI, as analogias entre a natureza e a estrutura se traduzem, no plano visual, como uma predileção pela composição bem distribuída no espaço, fazendo coincidir os focos temáticos e o centro físico da imagem, criando uma realidade completamente contida no interior do plano visual pictórico. Em contraste a isto, a arte do século XVII dissolve essa correlação entre estrutura plástica e arquitetura, passando a reger os elementos composicionais na sua relação com o que oscila e se degrada ou simplesmente flui. No primeiro caso, têm validade os valores do ser; no segundo, passam a prevalecer os valores da transformação. Lá, a beleza está no limitado; aqui, no ilimitado (pp. 180,181,182). Considerações sobre os temas: começando pelo tema do retrato, o autor mostra como este motivo visual oferece ao estudioso da arte clássica os elementos para pensar a vigência de um estilo tectônico, fortemente estruturado sobre as funções atribuídas às linhas de apoio vertical e horizontal, e que se prestam a delimitar a disposição do motivo, assim como a distribuição de seus caracteres definidores. Como diz o autor, a relação entre a figura e a base tectônica, oferecida por estas linhas regulares define o estilo clássico e encerra a obra numa forma delimitada em si mesma, o que encontraremos como marca do retrato em Dürer e Holbein, por exemplo. Quando comparamos o mesmo motivo, no tratamento que lhe propicia Rubens, por exemplo, notamos imediatamente as diferenças do estilo clássico e do Barroco, neste quesito, em particular: em primeiro lugar, desaparece a necessidade de determinar na postura do modelo o acompanhamento de uma forma tectônica, e os elementos da figura não se distribuem a partir do eixo das horizontais e verticais, criando um deslocamento e uma oscilação da forma que é desconhecida do estilo anterior. E ainda que encontremos na arte Barroca aspectos de verticalização do espaço na composição do motivo do retrato, este recurso não subordina o motivo visual a este princípio de organização. Segundo o autor, na arte barroca, instaura-se um estranhamento entre a manifestação plástica da forma e sua base tectônica (pp. 183,184,185). Prosseguindo uma longa discussão sobre a relação entre os princípios da representação do corpo humano (muito especialmente, os motivos do nu feminino), e os diferentes modos de sentir este tema, conforme sua relação com um certo sentido de estrutura da composição, o autor identifica o estilo clássico com o caráter nitidamente mediterrâneo de tomada do corpo sob o modelo da arquitetura: a arte de Rembrandt e de Rubens dissolve este modo de se conceber a figura humana na pintura, sem sacrificar com isso a apresentação do tema em seus aspectos mais importantes. No exemplo de uma Vênus, de Brescianino, o autor identifica com clareza os aspectos do estilo tectônico, no modo como se integram, na figura do modelo, sua forma e disposição favorável à verticalidade, e os elementos plásticos que lhe servem de acolhida: os motivos arquitetônicos aqui reforçam, na qualidade de autênticos índices, o sentido estruturado com o qual a figura humana é apresentada, na sua relação com os eixos do plano visual. Por oposição a este modelo, a Andrômeda, de Rubens, oferece o claro exemplo de um estilo em que a estrutura é muito mais livre, pois a apresentação vertical da figura não tem correlação com o modo estruturado de a composição se manifestar, já que esta favorece muito mais a oscilação das linhas do plano do que sua fixação numa forma mais definida (pp. 188,189).

Referências Bibliográficas: não as há