quarta-feira, 16 de maio de 2007

Plano e profundidade

WÓLFFLIN, Heinrich. “Plano e profundidade”. In: Conceitos Fundamentais de História da Arte (trad. João Azenha Junior). São Paulo: Martins Fontes (1996): pp. 99,166.

Índice: 1. Pintura: 1.1. Considerações gerais; 1.2. Os motivos característicos; 1.3. Considerações sobre os temas; 1.4. O histórico e o nacional; 2. Escultura: 2.1. Considerações gerais; 2.2 Exemplos; 3. Arquitetura.

Conteúdo: Pintura: considerações gerais. O autor prolonga a questão da diferenciação entre os estilos da arte clássica e do Barroco, para além do problema da definição da forma própria à tradução do mundo visual (seja como valorização dos contornos, no estilo linear, ou dos volumes e massas, no estilo pictórico), para explorar agora a questão do espaço, tendo em vista o mesmo princípio de delimitação entre as artes do século XVI e XVII. Nestes termos, define um fenômeno, demarcador dos limites entre os dois períodos, no qual a arte clássica é definida como dominando a representação do especo pela combinação dos elementos no interior do plano, estando o Barroco mais identificado com a valorização dos efeitos de profundidade. Restituindo-se ao método da composição do espaço na Última Ceia, de Leonardo (e a seu prolongamento mais desenvolvido, na Pesca Milagrosa, de Rafael), temos exemplares nítidos de como a arte desse período estabelece a disposição das figuras num plano linear, como sendo o princípio de sua localização no espaço das ações; em oposição a este princípio, o autor identifica a progressiva preocupação em se afastar de um estilo de composição linear dos planos (já que se identificam o princípio do tratamento da forma e do espaço, na arte do cinquecento), e uma conseqüente valorização das seqüências em profundidade, como princípios para a relação entre os elementos do mundo visual na representação. A introdução da variação dos elementos na profundidade do quadro e não na sua disposição em um plano acarreta igualmente uma enorme variação nos princípios para a produção deste efeito, de maneira tal que não podemos caracterizar o estilo em profundidade a partir de um mesmo tipo de recurso decorativo para a produção do efeito (pp. 99, 100,101,102). Os motivos característicos: analisando os casos mais simples de composição, em que dois elementos estão correlacionados, a transição de estilos se verifica no modo como a arte clássica valoriza sua disposição em linha, na disposição horizontal do plano, ao passo que a arte Barroca explora as linhas oblíquas que podem se estabelecer entre elas, de modo a gerar uma complementariedade entre diferentes planos do quadro e um conseqüente efeito de profundidade da composição; Comparando estes dois princípios, através de imagens em que dois elementos estão em relação, temos os casos da representação de Adão e Eva (por Palma Vecchio e Tintoretto), a Anunciação ou São Lucas representando a Virgem Maria (por Derrick Bouts). No caso da representação do espaço no plano, o espaço de fundo é apresentado de maneira uniforme em todos os seus pontos, sem variações de visibilidade, e de maneira relativamente independente do motivo principal, que se coliga ao espaço de fundo sem manter com ele qualquer relação de integração: é deste modo que encontramos o tratamento do espaço em Palma Vecchio e em Bouts. Em oposição a este princípio, as figuras da imagem não se relacionam, tendo a boca da cena como espaço determinado para a composição, mas vão penetrando os diferentes planos da imagem, através de uma diagonal, criada sobretudo pelo modo com se compõe o espaço de fundo, em integração com as figuras do primeiro plano (a representação dos planos mais profundos não tem função acessaria, em relação aos elementos do primeiro plano: em correlação com o estilo de Tintoretto, é também assim (mas a partir de outros recursos plásticos) que também Vermeer cria o efeito de profundidade do espaço, quando representa o tema do pintor com sua modelo (estruturalmente similar ao de São Lucas com a Madonna). Se estendermos nossa comparação aos quadros nórdicos e, com isso, considerarmos um intervalo de tempo um pouco maior, poderemos contrapor ao esquema barroco deVermeer o esquema da representação no plano de um pintor da escola de Dick Bouts; em suas obras o princípio da estratificação da imagem em planos – tanto para as figuras como para toda a cena, é empregado de forma absolutamente pura, se bem que não totalmente livre. Na tela de Vermeer, apresentando o mesmo tema, evidencia-se que a transposição para a profundidade constitui um procedimento natural. O modelo foi colocado bem no quadro, mas somente possui vida em relação à figura do homem para quem está posando. Assim, a cena adquire de imediato um movimento vigoroso em direçã ao segundo plano, basicamente sustentado pela direção da luz e pela representação em perspectiva (pp. 103,104,105,106,107,108). Quando consideramos os motivos nos quais mais de dois elementos estão em relação, a mesma distinção entre os modos de distribuição dos elementos na imagem se verifica, diferenciando os períodos clássico e Barroco: o caso em questão, para o autor, é o da representação do tema evangélico da pesca milagrosa, por Rafael e Rubens; no primeiro, vemos um tipo de disposição dos elementos através de uma linha, discretamente descendente, mas que não segmenta o espaço em profundidade, mas numa linha regular, da esquerda para a direita, ao passo que Rubens, cem ano depois, vai dispor dos mesmos elementos, mas relacioná-los através de um espaço que agora foi integrado ao primeiro plano, gerando um tio de intensidade e volume não propriamente existentes na arte do século XVI. Comparando, em seguida, o mesmo Rafael (de A Entrega das Chaves da Igreja), mas agora com o Velásquez, de A Rendição de Breda, o autor identifica em dois temas diferentes o mesmo aspecto de tratamento estrutural diferenciado do espaço: temos aqui um conjunto variado de elementos na cena, de algum modo coordenados com as duas figuras principais da composição, em primeiro plano; no caso de Rafeal, o tratamento dessas figuras associadas ao motivo principal dispõem-se entre si e na relação com as duas personagens principais, através da linha regular que atravessa o plano horizontal do quadro, disposndo-se do espaço arquitetônico de fundo apenas como função acessória na localização dos elementos vivos da composição; em Velásquez, o encontro de perfil das duas personagens principais não nos faz equivocar sobre o sentido de profundidade essencial da composição dos elementos, que integra as personagens ao motvo principal, não através de uma linha, mas do volume com o qual elas se propagam, nos vários planos, desde o centro do quadro até seu fundo, integrando até mesmo a paisagem e os elementos mais decorativos da cena (como as lanças que dão apelido ao quadro). O mesmo ocorre em outra importante obra de Velásquez, As Fiandeiras. Ao observador que se detém apenas na estrutura, pode parecer que o pintor do século XVII repetiu aqui o tipo de composição de A Escola de Atenas: um primeiro plano que apresenta grupos de figuras mais ou menos equilibrados de ambos os lados, e atrás, bem no meio, um espaço elevado e mais estreito (...). Em Velásquez, à medida em que se consideram isoladamente as figuras, uma impressão análoga é naturalmente eliminada pelo tipo diferente do desenho; além disso, a estrutura global possui um outro significado, pois a parte central, iulminada pelo sol, mantem uma certa correspondência com a figura do primeiro plano, à direita, criando-se assim uma diagonal luminosa que domina o quadro (pp. 109,110,111). Procurando não dar a entender que a profundidade seja uma característica exclusiva da arte do século XVII, o autor procura definir a incidência desse aspecto no estilo próprio ao Barroco como associada ao efeito próprio que a composição do espaço suscita para a visão do quadro, definida como um movimento homogêneo em direção aos espaços mais afastados da composição (de tal maneira que, muitas vezes, os principais elementos da imagem estão contidos no fundo do quadro, e não no primeiro plano). Em oposição a este aspecto da profundidade, a arte do século XVI valoriza a justaposição das camadas da imagem, organizadas todas como planos independentes entre si, e implicando um modo de apreciação que valoriza a disposição linear dos elementos e uma predileção pela organização dos motivos principais no primeiro plano. O estilo de um pintor holandês como Patenier denota os limites entre os dois estilos, prenunciando o uso dos elementos cromáticos como instauradores de uma visão em profundidade, que marcará a arte flamenga como caracteristicamente comprometida com a produção deste efeito de volume do espaço visual. A obtenção de tal efeito não depende necessariamente de recursos plásticos. Para sugerir o movimento em direção à profundidade, o Barroco opta por determinada maneira de conduzir a luz, de distribuir a cor e desenhar perspectivas; são meios que possibilitam a representação em profundidade, mesmo que esta não tenha sido objetivamente preparada por meio de motivos de caráter plástico-espacial (pp. 111,112,113,114). Considerações sobre os temas: O autor propõe um exame mais completo dos motivos formais da composição no plano e em profundidade, a partir de uma análise iconográfica mais extensa de determinados temas, começando pelos motivos de retrato na pintura: um tal motivo pareceria oferecer poucos elementos para a distinção entre estilos, mas o autor considera que na figura de um modelo individual, poderemos isolar ainda as formas que nos permitirão determinar se a impressão da figura humana decorre de sua disposição em um plano regular ou se esses elementos se organizam em uma oscilação que sugere a profundidade visual do motivo. No caso de Holbein, por exemplo, a posição de um braço colocado no parapeito sempre será representada no princípio da disposição no plano, ao passo que a replicação deste mesmo tema em Rembrandt valorizará a sensação deste motivo como dotado de um certo volume, decorrente do modo como os aspectos propriamente óticos da representação poderão ser empregados aqui. Os exemplos concretos deste gênero de oposição são a Ana de Cleve, de Holbein (como exemplo do estilo planimétrico) e da Saskia, de Rembrandt (ilustração do estilo da composição em profundidade). Casos mais evidentes da diferenciação entre estilos são aqueles em que vários elementos estão em jogo, na composição dos motivos, como nos exemplares de representação de episódios de história sagrada ou profana: no caso da Última Ceia, de Leonardo (tomado como caso cristalino de um estilo de composição no plano), os aspectos de diferenciação do estilo clássico são encontrados em casos em que a linha horizontal da disposição do motivo é substituída por uma diagonal, sobretudo com Tintoretto; o autor se reporta a outros casos, em que a linha horizontal é mantida, mas a composição ainda assim valoriza a relação integradora entre as várias camadas do espaço, pelo modo como se introduz o trabalho com a luminosidade da cena, como é o caso de Tiepolo. Em um caso como o de Brueghel, nas Bodas na Aldeia, temos o mesmo tema da distribuição dos elementos do motivo em uma linha, mas que se dispõe na diagonal; para além disto, o tratamento da luz e o modo de valorizar os plano mais distantes como sendo os motivos principais da cena caracterizam esta composição como o perfeito contraponto do estilo de Leonardo. Em Brueghel verificou-se algo que Leonardo já conhecia teoricamente, mas evitava aplicar na prática: a justaposição de figuras com tamanhos realmente iguais, mas que parecem ter dimensões completamente diferentes. O elemento novo reside no fato de o observador ser forçado a realizar uma leitura em conjunto (...). O motivo da colocação da mesa e da parede na diagonal contribui para impedir que o quadro se cristalize no plano (pp. 118,119,120,121,122,123). O tema da paixão de Cristo igualmente serve aos propósitos da distinção entre os estilos clássico e Barroco de composição plástica ou visual do espaço das ações: no caso de Massys, encontramos a expressão máxima d espírito clássico, pelo modo como as personagens são dispostas na linha horizontal, em paralelo á linha de base do quadro; o autor faz uma breve consideração sobre os esforços dos artistas do Quattrocento do norte da Europa em evadirem-se ao plano para comporem, sem o sucesso devido, o sentido de profundidade. Segundo o autor, a verdadeira transformação deste tema encontra-se na Pietá, de Rubens, na qual o sentido de uma entrada do olhar na cena representada decorre da composição escorçada dos elementos, mais especialmente a figura do Cristo dobrada sobre o tronco. O mesmo fenômeno se verifica no tratamento do tema do martírio da cruz, e o autor opõe aqui os estilo de Dürer e Rafael ao de Rubens, este dispondo os elementos não apenas em profundidade, mas também sugerindo fortemente um movimento ascencional dos elementos da composição. Em Rembrandt, a introdução das variações da luminosidade distribuída pelo espaço das ações anula praticamente completo o efeito planimétrico que decorreria da disposição das figuras em faixas retilíneas do quadro, como nos casos de seu Bom Samaritano e especialmente em Ecce Homo: o motivo é uma parede de uma casa e de um terraço, ambos vistos de frente. Tanto no terraço, como diante dele, as figuras alinham-se umas ao lado das outras. Como será possível obter-se com esses elementos uma imagem barroca?Com Rembrandt aprende-se que o importante não é o objeto, mas o tratamento que lhe é dado(...). O desenho de Rembrandt está tão impregnado de motivos de profundidade que o observador certamente percebe a presença material do plano, mas é levado a considera-lo apenas como um substrato mais ou menos casual de um quadro, concebido de maneira totalmente diferente (pp. 124,125,126,127,128,129). O histórico e o nacional: estabelecendo uma distinção entre os modos diversos como os primitivos e os clássicos se defrontaram com a questão da representação da profundidade nos quadros, o autor nota como a arte imediatamente anterior ao Cinquecento pareceu exprimir um desejo mais intenso de se libertar do plano como princípio de organização da visão do espaço, mantendo-se ainda assim limitada às linhas de força do quadro bidimensional e linear; a arte posterior a Rafael exprimiu esta relação com o plano de maneira menos problemática, de tal modo que a representação planimétrica do espaço se constitui como marca do estilo clássico, cultivada sobretudo pela arte da Rensacença mediterrânea. A sensação de profundidade, característica do estilo dos primitivos, por não se libertar completamente das constrições do plano, gera um efeito em que a sensação de distância entre os elementos dispostos em diferentes distâncias não é, a rigor, perceptível da maneira mais clara (como no tema da adoração dos magos em Ghirlandaio e Schongauer), donde o recurso mais comum passa a ser o de dispor figuras que se apresentam lado a lado numa leve diagonal, em relação à linha de base do quadro (como em Botticini). Quando avalia o modo como a arte setentrional do Quattrocento luta contra o plano sem dele se libertar por completo (a partir do exemplo do Mestre da Morte de Maria), o autor se pergunta se a questão do cultivo das relações espaciais no plano não constituiria igualmente uma marca característica de um estilo nacional, na arte clássica, dado o fato de que os pintores italianos parecem mais afeitos ao trabalho de distribuição dos elementos sobre o plano, sem grandes preocupações no sentido de produzir efeitos genuínos de variação das formas e de profundidade (pp. 135,136,137,138,139).

Referências Bibliográficas: não as há